A Natureza é a Mensagem: Sítio Roberto Burle Marx é reconhecido como Patrimônio Mundial da UNESCO
O distrito de Dahlem, em Berlim, na Alemanha, desempenhou um papel mais notável na formação do moderno projeto de paisagismo tropical brasileiro do que se poderia esperar. Em meio ao frio cenário europeu, um encontro casual levou a uma paixão duradoura pelo paisagismo com flora tropical nativa. Roberto Burle Marx, um jovem artista brasileiro, descobriu uma coleção de plantas tropicais do Brasil enquanto visitava o Jardim Botânico de Dahlem em seus vinte e poucos anos. Esse interesse o levou a se tornar um paisagista e um ilustre colecionador da flora brasileira e, por fim, o levou à descoberta de 35 novas espécies. A história de Burle Marx destaca como as viagens podem inspirar de forma única o trabalho de uma pessoa.
Nascido em 1909, em São Paulo, Burle Marx foi influenciado por artistas europeus, como Picasso e Paul Klee, o que o inspirou a estudar pintura, prática que seguiu ao longo de sua vida. Após sua visita à Alemanha, estabeleceu-se no Rio de Janeiro na década de 1930, onde conheceu figuras-chave da arquitetura moderna brasileira, como Lucio Costa e Oscar Niemeyer. Com a recomendação deles, começou a trabalhar como paisagista, incorporando o moderno e a abstração visual de suas pinturas em suas criações, ao mesmo tempo em que destacava a flora endêmica do Brasil. Burle Marx foi então pioneiro na arquitetura paisagística modernista com mais de 3.000 projetos em todo o mundo.
Embora seja mais conhecido por obras como o Parque do Flamengo e os mosaicos da praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, seu legado está na propriedade menos conhecida que deixou na região da Barra de Guaratiba, no Rio de Janeiro, onde fez contribuições significativas para a arquitetura paisagística, as artes visuais e a conservação ambiental.
O casamento da arte paisagística, do modernismo e da cultura brasileira
Localizado na região oeste do Rio de Janeiro, aos pés do Parque Estadual da Pedra Branca, o Sítio Roberto Burle Marx (SRBM) é um testemunho de sua mente criativa. A propriedade serviu como um "laboratório paisagístico" para vários projetos de Marx, atuando como uma tela que reflete a visão de Burle Marx de criar, em suas palavras, "obras de arte vivas" usando plantas nativas coletadas durante suas extensas explorações no Brasil. Desde 2021, ele detém o estimado título de Patrimônio Mundial da UNESCO, reconhecendo sua profunda importância cultural e ecológica, e é uma adição excepcional e a mais nova à coleção brasileira de 22 outros Patrimônios da UNESCO.
Uma viagem no tempo
Anteriormente conhecida como Fazenda da Bica por suas fontes naturais, Burle Marx e seu irmão compraram a propriedade em 1949 por sua abundância de água, bom solo e vegetação nativa da Mata Atlântica. Ao longo de mais de quatro décadas, ela se transformou em uma obra-prima, seguindo as sucessivas extensões e intervenções necessárias para transformar o local no laboratório botânico e artístico que ele desejava. A propriedade é um paradigma da simbiose entre a natureza e a criatividade humana. Ela abrange uma vasta extensão de paisagens, jardins meticulosamente projetados, maravilhas arquitetônicas e coleções botânicas que capturam a essência do trabalho pioneiro de Burle Marx.
Influenciando os jardins modernos em todo o mundo
Ao comentar sobre sua abordagem ao design de jardins e paisagens, Burle Marx disse: "O jardim é a natureza organizada por e para os seres humanos. A disciplina geralmente ajuda a alcançar o resultado desejado". Seu trabalho moldou o desenvolvimento de jardins modernos em escala global. No SRBM, os visitantes podem ver os principais elementos que definiram os projetos paisagísticos inovadores de Burle Marx e que, posteriormente, influenciaram o desenvolvimento de jardins em todo o mundo. Essas características incluem formas sinuosas, plantio em massa exuberante, arranjos arquitetônicos de plantas, contrastes de cores, uso extensivo de flora tropical e a incorporação de elementos da cultura popular brasileira e da arte moderna.
Um tesouro botânico
No final da década de 1960, o Sítio Roberto Burle Marx tornou-se o guardião da maior coleção de plantas brasileiras, entre outras espécies tropicais raras. A propriedade serve de refúgio para 3.500 espécies cultivadas da flora tropical e subtropical, que coexistem com a vegetação nativa da região. Em particular, é um santuário para a conservação do bioma da Mata Atlântica e ecossistemas associados, como manguezais e restingas (planícies arenosas tropicais costeiras).
Talvez essa tenha sido uma das maiores contribuições de Burle Marx para a arquitetura paisagística: o uso e a valorização de espécies nativas no projeto paisagístico. Um aspecto que na época era frequentemente negligenciado em favor de espécies estrangeiras consideradas de maior prestígio, mas que às vezes se mostravam prejudiciais e invasivas no ecossistema local. Ele reconheceu a diversidade e a riqueza da flora brasileira, sua beleza e importância. Décadas antes de a sociedade começar a discutir temas como soluções baseadas na natureza, Burle Marx entendeu que o uso sustentável de ecossistemas nativos poderia ser benéfico para o bem-estar humano e proporcionar resiliência.
Status de Patrimônio Mundial da UNESCO
Em 1985, Burle Marx doou a propriedade ao governo federal brasileiro para garantir a continuidade de suas pesquisas e a disseminação do conhecimento. Após sua morte, em 1994, a propriedade passou a ser administrada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O local foi declarado Patrimônio Cultural pelo Estado do Rio de Janeiro em 1988 e pelo Governo Federal em 2001.
Em julho de 2021, o Sítio Roberto Burle Marx alcançou um marco significativo ao ser declarado Patrimônio Mundial da UNESCO. A instituição reconheceu o local como uma paisagem cultural, reconhecendo a interação entre a paisagem natural e a paisagem feita pelo homem.
Esse reconhecimento marca seu papel fundamental como o primeiro jardim tropical moderno a conquistar um lugar na prestigiosa Lista do Patrimônio Mundial, juntando-se às fileiras de marcos culturais e naturais icônicos que transcendem fronteiras e gerações. Mais do que um simples jardim, o Sítio Roberto Burle Marx é o projeto vivo de um artista que fundiu arte paisagística, modernismo e cultura brasileira em seu legado. Seu reconhecimento como Patrimônio Mundial da UNESCO confirma sua importância não só para o Brasil, mas para todo o mundo.
Explorar as variadas formas, cores e flora da paisagem carioca não apenas revela os ideais de Roberto Burle Marx, mas mostra que o Rio tem uma paisagem integrada que realça a beleza da cidade, e que nem tudo que vale a pena ver aqui é obra do homem ou da natureza, mas de sua simbiose.
Fontes:
UNESCO Brasil. Sítio Burle Marx é reconhecido pela UNESCO como patrimônio mundial. Available at: <https://brasil.un.org/pt-br/137694-s%C3%ADtio-burle-marx-%C3%A9-reconhecido-pela-unesco-como-patrim%C3%B4nio-mundial>. (Accessed: 11 October 2023).
IPHAN. História – Sítio Burle Marx. Available at: <https://sitioburlemarx.org/historia/>. (Accessed: 11 October 2023).
Centro, U.W.H. Sítio Roberto Burle Marx, Centro do Patrimônio Mundial da UNESCO. Disponível em: https://whc.unesco.org/en/list/1620/ (Acesso em: 10 de outubro de 2023).
Metropolis. The man who elevated landscape to art (2022) Disponível em: https://metropolismag.com/viewpoints/burle-marx-man-who-elevated-landscape-art/ (Acesso em: 11 de outubro de 2023).
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